terça-feira, 14 de abril de 2015

A extracorpórea

Quando eu lembro da Bruna de exatamente um ano atrás eu fico surpresa em ver como ela mudou. Na verdade toda a realidade dela mudou. Muitas coisas que não faziam parte da minha rotina agora estão presentes no meu dia a dia. Foi uma mudança bem brusca e já seria assim se essa não fosse uma gestação dita de alto risco.
Vai um tempo para se adaptar quando se sai de uma realidade e mergulha em outra. Foi como se eu tivesse uma terceira orelha na testa e tivesse que aprender a conviver com ela e com tudo o que ela implica de alteração na minha vida.
É claro que meu filho não é uma coisa tão bizarra quanto seria uma terceira orelha assim, mas ele já trouxe inúmeras grandes mudanças. No começo foi uma mudança super empolgante, depois se tornou uma mudança super triste e assustadora. Agora só é uma terceira orelha que está lá e ponto. Não me impressiona mais nada. Mudanças inéditas e que já foram absorvidas pelo meu consciente.
É por isso que sempre digo que desencanei e não vou ficar mais me descabelando por nada. Acabou. Já entendi que tem muita coisa que eu não posso controlar e entender. Vai ser um passo de cada vez sem sair correndo freneticamente tentando resolver tudo.
Hoje fui fazer o último ecocardiograma do Dário antes de ele nascer. Fiquei conversando com a médica que fez o exame, ela é a melhor médica que me acompanhou nesse pré natal maluco. Ela ficou animada quando viu como o coração dele evoluiu, disse que as artérias estão evoluindo bem e era isso que mais a preocupava.
Ela me falou que apenas cerca de 10% das cardiopatias são descobertas durante o pré natal. Fiquei pasma porque é muito pouco. Muitas vezes as cardiopatias não são descobertas por causa da qualidade dos aparelhos que são utilizados nos exames, mas também acontece muito da incompetência do profissional que realiza o exame impedir que algum problema seja identificado de início.
Ela só entrou nesse assunto porque comentei com ela do menino que conheci no consultório do cirurgião cardíaco. O pré natal dele foi completo, com todos os exames que recomendam, mas só descobriram o problema dele após o nascimento. Ele operou e depois ficou cego. Quando comentei isso ela disse que conhecia esse caso também. Ela e o cirurgião trabalham meio que juntos, sempre conhecem o caso um do outro.
Bruna: "Por que ele ficou cego?"
Daí veio a resposta para tão intrigante acontecimento. Dependendo da cirurgia a ser realizada no coração o paciente deve ficar na extracorpórea. Isso o cirurgião me falou no dia e meu coração gelou porque eu já tinha ouvido falar desse negócio.

"Circulação Extracorpórea consiste na substituição temporária das funções de órgãos vitais de um paciente, como coração e pulmão, quando eles estão inoperantes durante uma complexa cirurgia cardíaca, por exemplo. Ela é utilizada em mais de 80% das cirurgias cardíacas, podendo também ser empregada em cirurgias intracardíacas, transplantes ou quimioterapias isoladas de membro."
Fonte: Wikipédia

Infelizmente a extracorpórea está associada a alguns riscos, inclusive de coagulação do sangue. Se o sangue coagular não se sabe para que local do corpo o coágulo irá. Dependendo do local pode não ter problemas. O coágulo também pode ser dissolvido pelo organismo sem gerar problema algum para a pessoa. No caso do menino o sangue coagulou e o coagulo foi para o cérebro, o pior lugar possível. Ele foi parar numa região que afetou a visão do bebê, por isso ele ficou cego. O pior, que eu não sabia, é que ele havia perdido os movimentos do lado esquerdo do corpo também, mas depois recuperou.
A médica disse que o que aconteceu com ele é muito raro de acontecer, que eu não deveria me preocupar com isso. Existe a chance de acontecer isso mas é muito pouco provável. Ela disse que se ele não tivesse operado ele iria morrer, porque ele estava tendo muitos problemas devido a cardiopatia dele. Ela acredita que como ele ainda é um bebê ele ainda pode se recuperar dessas sequelas, assim como recuperou os movimentos do lado esquerdo do corpo.
Eu não sou especialista em nada disso, só estou registrando o que vi e ouvi.
Tudo na vida tem um componente de risco. Até ir ao supermercado envolve vários riscos que a gente nem imagina.
E se nada disso estivesse acontecendo, eu tivesse um bebê lindo e perfeito, sem problema algum, mas com alguns meses ele desenvolvesse leucemia? A gente nunca tem garantia de nada e estamos sujeitos a tantas coisas malucas.
A verdade é que ninguém vive um sonho ou conto de fadas. As pessoas tem a tendência de achar que a realidade delas é pior que a do resto mas não é bem assim. Nunca sabemos exatamente o que as pessoas carregam também, por isso é sempre fácil tirar conclusões precipitadas.
Eu vou continuar fazendo tudo o que estiver ao meu alcance para prosseguir com uma consciência limpa. Não vou mais me aborrecer por nada e nem ficar lamuriando a minha vida. Com certeza tudo poderia ser muito pior e sempre tem muitas coisas boas acontecendo que compensam todas as coisas que não acontecem exatamente como gostaríamos.


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