sábado, 18 de abril de 2015

Carro riscado

Quantas vezes eu falei para o Felipe que tinha a sensação de estar vivendo a vida de outra pessoa?
"Uma hora ela vai descobrir que eu que estou vivendo a vida dela e vai tirar tudo de mim, minha casa, minha profissão, meus amigos, meu diploma, você, tudo"
É isso o que acontece quando se tem muito mais do que todos imaginavam que eu teria, mesmo não tendo tanta coisa assim.
De repente as coisas viraram do avesso de novo. Mergulhei numa tristeza profunda quando os médicos disseram dos problemas do bebê. Primeiro foi aquela história de ele possuir uma síndrome incompatível com a vida. Foram dias terríveis.
Eu acho que assumir uma postura positiva mudou tudo. Também tem o fato de muita gente estar torcendo para tudo dar certo. Isso é bem evidente. Tanta energia positiva deve atrair coisas boas porque entramos numa fase mais leve e cheia de surpresas boas. Teve até uma ótima proposta de emprego que o Felipe recebeu recentemente.
Não dá para controlar tudo, tem sempre alguma coisa nova acontecendo. Mas a sensação que deu disso tudo é que atitudes positivas atraem novidades positivas. Por isso estou desacreditando muito que essa história vai ter um final triste. Acho que muita coisa boa ainda vai acontecer. Mesmo que eu tenha amassado o carro no portão hoje, isso é o de menos. Isso não é nada perto do fato de eu ter um carro e poder dirigir.
Quanto mais coisas inserimos na nossa vida mais riscos estamos sujeitos. Eu poderia nunca ter um filho e nunca ter um carro. Assim estaria me privando de muita coisa também.
É melhor estar ciente dos riscos que assumimos com nossas escolhas. Eu não estava ciente dos riscos de ter um filho cardiopata, por isso foi um choque. Mas pode acontecer com qualquer um.
Daí veio o medo mais terrível e abominável de todos: será que eu vou conseguir gostar dele?
Será que eu gosto do meu carro amassado e riscado?
Como medir minha capacidade de amar?
Então eu só aceito o que é lindo e perfeito?
Essa foi a maior de todas as descobertas. Descobri que não vou deixar de amar meu filho porque ele nasceu com o lábio leporino da mesma forma que nunca deixei de amar o Felipe porque ele tem o nariz torto. Na verdade eu demorei mais de um ano para notar o nariz dele e ele é muito mais que um nariz.
Meu filho vai ser uma mistura minha com ele. Tem hora que eu olho para ele e penso no quanto o amo e o quanto não faz sentido esse amor tão grande não gerar uma criança linda e maravilhosa.
Ele sempre será lindo e maravilhoso. Ninguém vai mudar isso. Muitas pessoas olham para o Felipe e vêem só um cara comum, eu vejo o cara que eu não consigo ficar mais de 5 minutos olhando sem querer grudar nele e não soltar mais.
Assim será com o meu filho, será a criatura mais preciosa do mundo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário