terça-feira, 27 de outubro de 2015

Hospício

Eu fico besta de ver algumas coisas que acontecem aqui nesse hospital. Eu tenho consciência que talvez o Dário não estivesse vivo se tivesse ido para algum lugar sem a estrutura que tem aqui, mas eu tenho que falar das coisas estranhas que já vi acontecerem.
Quando fui no SAC reclamar que as enfermeiras da UTI não deveriam cuidar de dois bebês ao mesmo tempo eu fiquei de olho para ver se a cada troca de plantão isso iria se repetir. Sempre que vinha a enfermeira que iria cuidar do Dário eu perguntava se ela também iria ficar com mais algum bebê. A resposta passou a ser sempre a mesma, que ela não sabia se iria vir mais alguém para ficar naquele quarto para olhar os outros bebês, mas que a princípio ela estava só com o Dário.
Depois de um tempo alguém me falou que a supervisão da UTI havia mandado todas darem essa resposta como forma de não incentivar a revolta e indignação das mães.
Fiquei impressionada com a capacidade e criatividade dessa supervisão. O pior é que gera um clima de tensão na UTI, porque elas ficavam com medo de conversar sobre qualquer assunto comigo.
Se perguntarem para um funcionário do Beneficência Portuguesa de São Paulo em que lugar ele trabalha ele tem que responder que é no maior complexo hospitalar da América Latina. Fiquei pensando se isso é verdade mesmo. Achei engraçado. Eles não podem usar a palavra hospital.
Estou cansada. Bem cansada. Me sinto num hospício ou numa prisão.
Ontem o hospital veio me falar que o home care foi negado. Liguei 4 vezes no Bradesco e essa informação não constava na ficha do Dário. Só constava que ele tinha sido aprovado e já tinha até a empresa que faria o serviço.
Isso sim desgasta. Criam a ilusão de que vamos sair daqui, faço as malas, mando um monte de coisa de volta para Campinas e depois começam com o terrorismo. Um monte de informação desencontrada.
Me colocam no meio da bagunça e eu fico sem saber o que está acontecendo.
Disseram que veio um auditor ontem e ele negou o home care. Mas como que ele veio e nem passou aqui para ver o Dário e ler o prontuário dele? Que raio de auditoria é essa? Se era para fazer isso nem precisava ter vindo, era só ligar e fazer uma auditoria remota. Se é que isso existe.
No Bradesco não tinha auditoria nenhuma agendada para ontem.
Queria acordar cedo e ir no setor de desospitalização para entender tudo isso. Mas o Dário tirou a sonda.
Começaram a achar que eu que tinha tirado a sonda dele. Eu estava tão revoltada com tudo e ele me tira a sonda!
"Ninguém vai passar outra sonda nele, se não mandarem leite na mamadeira eu vou sair daqui com ele."
No final das contas até que foi bom ele ter feito isso.
"Ele não precisa da sonda! Ele sabe mamar."
Mas ninguém queria se arriscar a escrever no prontuário que ele poderia receber o leite via oral.
A cardiologista já não sabia mais o que fazer, por isso ela queria solicitar o home care, porque em Campinas talvez eu tivesse mais sorte com uma fonoaudióloga mais esperta. E teria mesmo.
Tem coisas que só quem é mãe entende.

"Eu vou tacar uma bomba nesse setor de desospitalização! Como que recebem o auditor e não trazem ele aqui? Eu perguntei como iríamos fazer o ambulatorial da sonda e a atendente soltou um: ah, ele está de sonda? Depois eu te ligo."
"Quanto terrorismo."
"Terrorismo é o que estão fazendo com a gente! Deixar o menino com essa sonda sem necessidade e não liberar uma mamadeira. Se eu tento dar uma mamadeira para ele me tratam como se eu estivesse cometendo um crime. Isso sim é terrorismo."

A cardiologista liberou a mamadeira mas reforçou bem que se acontecer qualquer coisa eu tenho que avisar na hora.
"Não vai acontecer nada."
Se algo der errado as loucas seremos nós duas. Ela reforçou bem isso. Mas quem aguenta ver tudo isso acontecendo e não surtar também? Só uma pessoa totalmente apática.
Pedi para liberarem para a fono de Campinas entrar aqui e atender o Dário. A cardiologista conversou com ela por telefone e deu tudo certo. A fono está liberada para vir. Mas vai ser particular e vai sair caro porque além da consulta vou ter que pagar o deslocamento dela. Não tenho outra saída, as coisas aqui não caminham. Talvez ela escreva no prontuário que o Dário pode ir para casa que ele vai se alimentar. Daí a gente vai sem home care nem nada. Não agüento mais ficar aqui.
Agora vem 20ml por mamadeira e o resto por sonda. A ideia é ir tirando da sonda e colocando na mamadeira aos poucos. Ou seja, passaram nova sonda no Dário hoje. Ao menos a perda da sonda rendeu a liberação da mamadeira e a visita de fono externa.
Quero ir embora logo, só depende da alimentação dele para irmos. Cardiológicamente falando ele está de alta. Não tem nenhuma restrição. Só falta se alimentar e nenhuma fono chega e fala que pode liberar ao menos teste via oral para ele. Ninguém se arrisca.
Trouxeram a mamadeira das 9 e do meio dia. Ele mamou as duas e eu filme. Mostrei e mandei para todo mundo porque muita gente esqueceu que ele chegou aqui mamando.
Foi mais difícil filmar que fazê-lo mamar.
Mas deu certo. Agora é só ir aumentando o volume da mamadeira aos poucos.
Queria demais que a alimentação dele tivesse evoluído. Tempo para isso teve de sobra. Se eu fosse uma fono eu iria me sentir um lixo se soubesse que um paciente está pagando caro para trazer uma fono de fora para me substituir.
Na semana passada minhas férias acabaram. Eu teria que voltar a trabalhar. O psiquiatra tinha me dado um atestado de 30 dias mas por conta da greve do INSS a perícia ficou para o final de Janeiro. Quantas pessoas vão se lascar por causa disso? Absurdo. Agora estou descoberta e presa no hospital.
"Incompetência tem em todo lugar. Por causa de uma pessoa incompetente que outras tantas pessoas são prejudicadas."
Deve ter ficado bem confuso o texto com tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Depois de tanto tempo num hospício talvez eu tenha ficado louca mesmo.


Dormindo sem a sonda


Sonhando com a mamãe


Alucinação? Montagem? Photoshop? Dublê do Dário mamando? Nada disso... Só não vou subir o vídeo porque meu 3G não aguenta.








2 comentários:

  1. Não tenho outras palavras para dizer senão, revoltante! Mas tudo vai dar certo, manda ver na mamadeira.

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    1. Está funcionando Egle! Ele está evoluindo super rápido nas mamadas. Uma mãe vale mais que um hospital inteiro interferindo nas mamadas do filho.

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