segunda-feira, 29 de junho de 2015

Sobrapar

A triagem estava marcada para às 13 horas. Dessa vez o Felipe poderia ir comigo devido a folga do trabalho. Ele acordou cedo e foi devolver a bomba de leite alugada e já aproveitou para tirar cópia de todos os documentos que teríamos que levar na sobrapar.
Saímos de casa ao meio dia. Na recepção a mulher pegou todos os documentos e explicou que na triagem iriamos ser chamados várias vezes. Não deveríamos ir embora depois do primeiro atendimento porque viriam outros e outros. Assistente social, fono, médico e mais algo que eu esqueci.
Primeiro uma médica nos chamou. Foi super rápido. Nova, loira do olho claro. Ela leu o encaminhamento e viu que estava escrito da cardiopatia lá. Não lembro do que ela disse na hora mas eu fiquei com uma má impressão da cara que ela fez. Ela pediu para analisar o Dário, coloquei ele na maca e ela pegou o celular e ficou apontando para a boca dele.
Fiquei pensando se tinha algum programa no celular que fazia algo super fantástico a partir da análise de alguma foto da boca dele. Ou, talvez ela quisesse enfiar o celular na boca dele mesmo. Ele estava chorando e eu fiquei sem entender olhando para a tela do celular dela ainda pensando no programa super fantástico que faria algo super impressionante, mas o que estava aparecendo na tela era só a lista de músicas dela. Depois eu percebi que ela só estava usando a lanterna do celular para conseguir ver dentro da boca dele. Como se não estivesse claro o suficiente na sala e como se a boca dele não estivesse aberta o suficiente com o choro.
Eu acho que não gostei dela porque sempre imagino que uma pessoa que vai mexer com crianças vai pelo menos dar um sorriso ou falar algo com aquela voz que fazemos quando vamos conversar com um bebê.
Médica: "Vou chamar o doutor."
Ela saiu da sala e voltou mais de meia hora depois com outros dois homens, um velho e um moreno mais novo. O mais velho devia ser algum tipo de superior lá dentro.
Ele olhou para o Dário para ver o tipo da fenda.
Médico: "Bilateral abre rápido, tem que operar logo, como dois meses."
Mas, por causa da cardiopatia ninguém vai querer colocar a mão. Ficaram falando que lá eles não tem suporte de UTI para o caso de precisar. Falaram da anestesia, que pode ser arriscado anestesiar.
Mostrei a carta da cardiologista liberando para a cirurgia e a tal da médica não conseguiu ler nada. Disseram que precisam de outra carta, esclarecendo outras dúvidas. Fizeram uma carta para eu levar para a cardiologista solicitando essas respostas.
Quando a médica pegou a carta da cardiologista ela fez cara de desprezo e criticou a letra. Depois ela fez a carta para a cardiologista e a letra dela não é nem um pouco melhor.

Carta da cardiologista liberando para a cirurgia do lábio

Carta da sobrapar com dúvidas para a cardiologista


O Dário estava chorando muito. O médico novo e moreno olhou para ele e falou que ele estava azul. Azul o escambau. Vontade de dar um soco na cara dele. Estava querendo impressionar o velho.
Os dois médicos saíram e a médica, após terminar a carta, explicou para eu voltar lá com a resposta da cardiologista.
Bruna: "Então é para eu ir embora? Não vou passar para o resto da triagem?"
Ela disse que eu podia passar. Então nós voltamos para a recepção para aguardar.
Essa é a versão resumida do que aconteceu lá. Para ficar registrado como eu estava me sentindo vou contar como eu vi tudo isso.
Nós entramos na sala da médica loira, nova e do olho claro. Cara de criança, não tem um pingo de profissionalista e competência para fazer o que deveria fazer. Estava com cara de má vontade e o humor não estava lá essas coisas também.
Ela pegou o encaminhamento e quando leu que o Dário é cardiopata perguntou o que eu estava fazendo com um cardiopata lá.
Médica: "Mas ele é um cardiopata! Por que você trouxe isso aqui?"
Mas ela preferiu analisar a fenda dele, talvez porque devesse preencher a ficha com os detalhes. Ela pediu para eu colocá-lo na maca. Ela foi até ele e pegou o celular dela e ficou tentando enfiá-lo na boca dele.
Quem me conhece sabe o tanto que tenho nojo de celular. Uma vez eu estava sendo atendida por um dentista, ele estava de luvas, o celular dele tocou e ele atendeu o celular dele com a luva. Eu fiquei louca de raiva. Celular é coisa mais imunda do mundo. A maioria das pessoas vai ao banheiro com o celular. Sempre acontece de pegarmos o celular com as mãos sujas ou de colocá-lo dentro de uma bolsa suja. Todos sabem que bolsa de mulher tem mais bactérias e sujeira que banheiros e celular de mulher sempre fica dentro de bolsas.
Essa médica nem colocou luva nem nada e ainda foi tentando enfiar o celular dentro da boca do Dário só para ligar a lanterna para conseguir ver o palato dele.
Depois ela saiu e voltou com outros dois médicos. O Dário estava chorando e eles ficaram debochando dele, dizendo que ele estava azul e que nunca poderia ser operado do lábio, que a fenda bilateral dele vai abrir cada vez mais porque ele nunca será operado por conta da cardiopatia.
Não foi isso o que aconteceu mas eu me sentia como se tivesse sido assim. Voltei para a recepção chorando muito. A assistente social nos chamou só para coletar dados. Depois nos disseram para irmos embora.
Eu tenho certeza que ter passado pela fono teria sido muito útil. Mas eu acho que eles cortaram o resto da triagem por causa da cardiopatia. E um psicologo? Lá tem e eu estava visivelmente alterada.
Voltei para casa me sentindo péssima e pensando que ainda tem muito chão pela frente. Mandei uma mensagem para a fono que me deu o encaminhamento perguntando se não tem como fazer o tratamento pelo convênio.
Fiquei o resto da tarde passando roupa e remoendo isso. Quando estava perto de 18 horas fui tirar leite para a próxima mamada do Dário. Consegui tirar 80ml, praticamente uma mamada. Ele acordou quando eu estava terminando, coloquei na mamadeira e ele começou a mamar. De repente não tinha quase nada de leite na mamadeira e o pano de boca estava todo molhado. O bico estava rasgado.
O bico que ele usa é um para bebês com lábio leporino e fenda palatina. Era só esse bico. Até tem outros bicos aqui em casa, os bicos originais das mamadeiras e os bicos das bombas de leite. Tentei todos, mas nenhum deu.
O local que eu comprei esse bico já estava fechado. Seria bem difícil achar outro lugar aberto que o vendesse.
Bruna: "Felipe, você vai naquela farmácia perto do pão de açúcar e vê se tem desse bico."
Felipe: "Lá não vai ter."
Bruna: "Torce para ter, se não tiver você vai ter que rodar a cidade inteira até achar."
Quando ele saiu eu chorei tudo o que tinha para chorar. Como o bico rasgou? 80ml de leite tirado com tanto sacrifício e vaza quase tudo! Por que tinha que acontecer isso justo hoje a nessa hora?
Comecei a ligar em todas as farmácias perguntando se tinha o tal do bico. Para cada farmácia que eu ligava eu já mandava uma mensagem no celular do Felipe dizendo que não tinha. Mandei uma mensagem para a fono explicando e ela respondeu para procurar um outro bico, o bico big ortodôntico da kuka. Mandei para o Felipe e rapidinho ele me mandou uma foto do tal do bico. Mas a fono disse para comprar uma seringa, por precaução. Se ele não se entender com o bico era para dar o leite na seringa.


Eu iria precisar de um mês me preparando psicologicamente para dar leite numa seringa para ele. Já me basta não poder dar leite no peito e ter dado leite pela sonda no tempo que ele ficou internado. Será que é óbvio o tanto que isso poderia ter me deixado louca? Imagina ter que dar leite para um filho numa seringa. Eu não estou preparada para isso.
O Felipe trouxe o bico que ela falou e outros dois diferentes. Também trouxe 3 seringas diferentes. Tadinho. Ainda bem que o bico deu certo. O Dário mamou tudo super bem. Tomara que mais nada dê errado hoje e nem no resto da semana.
Essa fono é maravilhosa. Eu tenho sorte porque tive o suporte dela. Ela tentou me acalmar e explicou que é importante ficar calma para o leite não secar. Eu acho que só tenho leite ainda porque faço muita questão que o Dário receba ele.
Sempre que foi muito difícil para eu conseguir algo eu sempre continuei tentando e no final valeu muito a pena. Esse Dário deve ser o cara mesmo.
E eu sempre lembro que uma vez eu comentei com o Felipe de, de repente, o bebe vir com algum tipo de problema. Ele debochou dizendo que era praticamente improvável de isso acontecer. Não imaginava que iriamos passar por tudo isso, mas quero que ele saiba que nós iremos continuar fazendo tudo por ele e que ninguém tem culpa de nada.





Nenhum comentário:

Postar um comentário