Router

"Você imaginava que você iria ser essa mãezona?'
Mãezona uma ova. Ainda não acredito que eu machuquei o dedinho dele.
Mas acho que ele gosta de mim mesmo assim. Sempre que ele está no berço ou no carrinho e eu estou andando de um lado para o outro ele fica me acompanhando com o olhar.
Se eu estou de um lado do berço e outra pessoa do outro ele só olha para mim, não importa o quanto a outra pessoa cante, pule, brinque ou bata palmas.

"Você não pode chorar, tudo o que você sente ele sente também. Você tem que ser a fortaleza dele."
A cardiologista com o ego ferido entrou no quarto e ficou meia hora me metralhando com palavras ríspidas e ásperas, quando comecei a chorar ela disse isso. Que eu não deveria chorar.
Ela disse que se ela vai para uma cirurgia ela confia no cirurgião a ponto de não pesquisar nada na internet.
Duvido muito que uma mãe normal iria confiar cegamente em tudo o que os médicos fazem ou, mesmo que confie, duvido que ela não iria querer saber tudo o que estão fazendo. Mas ela achou muito ruim quando eu disse que cardiologista quando vê um cardiopata acha que todos os problemas dele são por causa do coração.
É claro que não é bem assim, mas é muito provável que eles tenham uma visão meio tendenciosa sim. Semelhante a quando vêem a fenda e atribuem qualquer problema a fenda.
Quando ele parou de mamar já disseram que era infecção de ouvido porque ele tem a fenda e bebês com fenda tem mais chance de ter infecção de ouvido. O Dário nunca teve infecção de ouvido.
A cardiologista decidiu colocar um aparelho para monitorar a frequência cardíaca por 24 horas. Agora ele tem uma bolsinha com o aparelho dentro. Não posso esquecer de pegar a bolsinha junto com ele sempre que for pegá-lo no colo. Esse aparelho se chama router e eu tenho que fazer um diário de tudo o que acontecer nessas 24 horas.
Essa semana está sendo ótima. O Felipe chegou na terça a noite e está trabalhando aqui em São Paulo. Sai cedo para ir para o escritório da empresa e volta a noite para ficar com a gente. Tive que fazer várias ameaças pesadas para obrigá-lo a dormir no sofá. Ele queria dormir na poltrona mas ela não é tão confortável quanto o sofá e ele tem que acordar cedo para ir trabalhar. Tenho medo dele dirigindo com sono também.
Na verdade também tem outra desculpa nessa história. A poltrona fica entre o berço e o sofá. Me sinto melhor dormindo mais perto do berço, principalmente depois dos episódios de vômito enquanto a sonda de leite corre.
Como ele recém operou o coração ele não pode nem dormir de lado direito. Só um pouquinho e de vez em quando. De barriga para baixo nem pensar.
Só dorme mesmo de barriga para cima. Então, com os recentes episódios de vômito eu durmo com os dois olhos abertos e com as orelhas em pé. Principalmente porque ele também tem o palato aberto. Se ele vomita nessa posição e com palato aberto eu tenho que correr para ele não se "afogar".
É complicado porque como a noite ele dorme com sono bem profundo ele nem percebe que está recebendo o leite pela sonda. Ele nem acorda. Tem hora que nem eu acordo, só acordo com a sonda apitando porque acabou o leite.
Eu acho que o Felipe acordaria se algo acontecesse mas ele anda mais cansado que eu. Tem dias que eu até consigo tirar um cochilo de meia horinha durante o dia, ele não. Ele nunca mais teve descanso.
Como tiraram totalmente o leite da mamadeira e passaram para a sonda eu tive que comprar uma chupeta para ele não perder os reflexos de sucção. Isso foi orientação da fono. Tiraram a mamadeira porque ele não estava mamando nada, jogaram todo volume na sonda.
Só que ele não consegue segurar a chupeta. Ela vai deslizando e chega até a fenda, depois ela cai. Tive que fazer uma gambiarra, prendi um elástico para segurar a chupeta enquanto ele recebe leite pela sonda. Ele sempre começa a mexer a língua como se estivesse mamando nessa hora. É uma gracinha.
Mas foi só virar as costas por dois segundos no primeiro dia que a chupeta já estava no meio da festa dele. Está ficando cada vez mais esperto.

"Você já assistiu o advogado do diabo? Tem uma parte que eles entram na casa do diabo e perguntam por que não tem cama lá. Ele responde que é porque ele não dorme. Estou achando que você é o diabo."
Tem médicos que estão sempre no hospital. Sempre mesmo. Outros funcionários também, como as enfermeiras e técnicas. Eu vi o cirurgião da equipe da Vera Cardim bem cedinho aqui, já era tarde da noite e ele ainda estava aqui. O nome dele é Diogo.